Outubro de 2022 - Semana do diagnóstico
Foi a 2 de Outubro (Domingo), a subir uma rua na Foz, que todos estes sintomas passaram a conversa séria. O meu pai dava-me um avanço de 20 metros pelo menos e, na brincadeira, disse-lhe que eu é que estava com péssima forma física. Ele não ficou convencido e perguntou-me o que eu sentia. Ao enumerar os sintomas, alarmado, disse que eu tinha de marcar uma consulta urgentemente. Perita em desvalorizar, disse-lhe que durante a semana tratava disso, pois até já estava na altura de fazer as análises anuais. Nos dias que se seguiram, acabei por não dar a devida prioridade ao assunto, refugiando-me na indecisão de a que médico/especialidade deveria ir.
Uma vez que ia ficar pelo Porto, queria ir a um Congresso de Salsa que ia haver no fim-de-semana seguinte (8 e 9 de Outubro) mas preocupava-me sentir que não conseguia dançar uma música completa sem cair para o lado a qualquer momento. E eis que na quarta, 5 de Outubro, decido que o melhor é retomar os treinos no ginásio a ver se recupero a minha condição física. Felizmente, a minha irmã ligou-me para fazermos um programa em família, oferecendo-se para me dar boleia, ao que respondi que ia, mas a pé pois tinha de treinar para conseguir ir ao congresso. Nesse dia, à tarde, liguei a uma amiga para irmos dançar, não só porque tinha vontade, mas queria perceber como me sentia verdadeiramente a dançar. Ela aceitou e o que eu previa aconteceu: aos dois minutos de música sentia os músculos das pernas a queimar, a respiração ofegante e a cabeça a latejar. Mas, não querendo abandonar o meu par a meio da música, dancei até ao fim, ou tentei, pois claramente não conseguia acompanhar o ritmo. Sim... Sei o que estão a pensar. Enfim! Nesse momento decidi que não ia ao congresso.
À noite, quando fui passear as meninas, tive um episódio a que chamei de ataque de ansiedade, depois de ter subido uma rua com as duas a puxar na direcção contrária. Estava com muita dificuldade em respirar, sentei-me e senti a minha garganta a fechar. Não havia uma alma a passar que pegasse nas trelas e elas continuavam irrequietas. Disse-lhes "se eu não volto para casa, nenhuma de nós volta" e elas (miraculosamente) pararam. Ao fim de uns minutos consegui controlar a respiração e voltámos para casa.
Decidi que no dia seguinte de manhã ia ao centro de saúde marcar uma consulta aberta. Tinha a opção das 10h e das 19h e escolhi a segunda para não interferir com o trabalho (perita em tomar as melhores decisões, eu sei). Chegada à consulta, perante os sintomas que descrevi, a médica viu a minha pálpebra e disse que eu estava com uma anemia, restava apenas saber se precisaria de uma transfusão de sangue ou não, o que dependeria de ter a hemoglobina acima ou abaixo de 8.
Na manhã seguinte (sexta-feira), fui fazer as análises. Ao chegar a casa, uma vizinha disse-me "Está muito pálida". "Acho que estou com uma anemia.", respondi eu, e segui com o dia. Entre trabalhar, passear as meninas e fazer pausas para refeições, chegaram as 17h e o e-mail com os resultados das análises: hemoglobina a 4,2 (sendo o intervalo de referência 11,6-15). A minha reacção? "4,2 de hemoglobina Joana? Nem de ti sabes cuidar, quanto mais de duas cadelas!". Pela primeira vez, recebi uma chamada do laboratório de análises. Era um hematologista a aconselhar que fosse urgentemente para o hospital, perguntando se eu preferia ir para o S. João, Sto. António ou IPO, sendo que recomendava o último. "É cancro?" perguntei imediatamente. "Tem qualquer coisa no sangue, mas é tratável.", respondeu ele. Relaxei, aceitei ir para o IPO e tentei focar no que tinha para fazer. Avisar o meu chefe, preparar a mochila, pois contava pelo menos passar a noite no hospital e preparar as coisas das meninas para irem para casa da minha irmã na minha ausência. No meio de tudo isto, o telemóvel não parava de tocar, entre chamadas do IPO para saberem quando eu chegava, da família para me virem buscar e do centro de saúde para garantirem que estava tudo encaminhado. A pergunta que mais me faziam era "O que é que já te disseram?". Não estando certa de quando voltaria a casa, ainda quis arrumar a roupa e a louça 🤦♀️ Prioridades não é?
Chegados ao IPO, ao SANP (Serviço de Atendimento Não Programado), chamaram-me para a triagem. Estavam sem sistema informático e a enfermeira perguntou-me se eu sabia o que ia lá fazer. Contextualizei-a mencionando o nome do médico a quem tinha de me dirigir. "Onco-hematologista", disse ela. Saí da triagem e, ao contar aos meus familiares, disse "Eu estou a ignorar o "Onco". Eu vim fazer uma transfusão de sangue.". Chamaram-me para a sala de tratamentos, na qual entrei sozinha. Sentada no cadeirão, diante dois médicos e uma enfermeira, voltaram a perguntar-me o que é que eu já sabia. Cansada de ouvir essa pergunta, questionei o que havia para saber afinal. Depois disso só me lembro de ouvir " É cancro, tens leucemia.". Provavelmente não me foi dito desta forma, mas tudo o que me lembro deste momento são meros fragmentos, devido ao choque e nervosismo em que me encontrava. Sei que no meio de um choro e respiração incontroláveis, questionei se tinha sido eu a responsável, por o quanto me levei ao limite nesse ano. Disseram que não e imediatamente pensei nas minhas cadelas, na responsabilidade que tinha assumido. Como já contei aqui, numa das primeiras publicações, passei por várias fases que surgiram num ápice, entre pensar em como ia contar à família (acabei por não ser eu), nos planos que tinha e que já não ia poder cumprir (pelo menos não quando previa) e, por fim, aceitar o diagnóstico e o meu novo futuro naquele sítio. Isso passava por começar a conhecer as pessoas que iam cuidar de mim e foi então que comecei a tentar decorar os nomes. A enfermeira que estava comigo tinha o nome de uma das minhas melhores amigas e, quando lho disse, ela confessou que estava a ficar nervosa, porque tinha a minha idade, assim como todos os profissionais que estavam à minha beira. Ela colheu mais sangue para análise e em mim ainda restava a esperança de ter havido um erro do laboratório e de os novos resultados desmentirem aquele pesadelo, o que não aconteceu. Já mais calma, resolvi tirar uma fotografia com uma cara normal para enviar para a família. Iniciava ali a minha missão de estar bem, por eles. Fui fazer um raio-x e ofereceram-me uma cadeira de rodas, que recusei. Quando subi para o piso de internamento, voltaram a sugerir que fosse na cadeira, mas voltei a recusar, dizendo que enquanto pudesse ia pelo meu próprio pé. As portas abriram-se e algo chocadas por me verem a entrar a pé, as auxiliares e enfermeiras disseram que eu devia estar na cadeira. Não entendi a reacção e disse que era uma atleta, treinava muito no ginásio e podia perfeitamente caminhar. Até que uma delas me disse de forma algo ríspida que se eu caísse e tivesse uma hemorragia, ficava ali. Atirar-me das Cataratas do Iguaçu deve ser semelhante ao que senti depois de ouvir isto.
E assim iniciou este Caminho alternativo, alternativo ao que estaria a percorrer se a minha Xi não me tivesse demovido. Por isso e muito mais, considero que é um dos anjinhos que me acompanha e guia desde o dia em que entrou em minha casa ✨🤍
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