Bom dia! Hoje dormi bem melhor e o sono foi mais pesado! Estava a precisar 🙂
Escrevendo
um bocado sobre a forma como estou a digerir tudo... Diria que houve várias fases.
Na sexta, quando recebi a notícia, tive a reacção mais expectável: choro, aflição, choque. Ninguém quer ouvir que tem cancro. E já por duas vezes antes tive esse receio em consulta. O choque inicial vem daí, de não querer imaginar que, eu, com 31 anos, passo a estar entregue à sorte e à possibilidade de os tratamentos ou eventuais transplantes de medula serem eficazes. Não me recordo de muita coisa, apenas tenho flashes do que vi e ouvi. Talvez porque os pensamentos surgiam à velocidade da luz e o nervosismo se apoderou de mim. Um dos maiores motivos do meu pânico foi claro as minhas cadelas... Sou mãe de duas, como assim vou ficar longe delas? Como assim pode acontecer-me alguma coisa e eu não vou cuidar mais delas?
O segundo pensamento foi: como é que as minhas pessoas vão reagir? Como é que sequer lhes vou contar uma coisa destas? Não me sinto bem por estar a trazer isto para a vida delas, embora saiba que é um pensamento errado e uma preocupação que não devo ter. Não queria que mudassem a vida delas por minha causa, mas quando pensei bem nisto, percebi que era um pedido ingrato e uma expectativa falsa, pois, se eu estivesse no lugar delas, naturalmente iria mudar a minha vida. Mas isto já advém de outras coisas bem vincadas da minha personalidade. Prefiro estar aqui deste lado. Em grande parte porque os amo e não queria que fossem eles a passar por isto, mas por outro lado acho que de certa forma é mais fácil. A sensação de impotência de quem está de fora parece-me ser maior e eu estou sempre comigo. Tenho notícias actualizadas ao segundo, enquanto quem está de fora depende essencialmente da minha disposição para as dar.
Depois disso, veio a frustração e tristeza de perceber que os planos que tinha não vão ser possíveis por agora:
- objectivos profissionais: tanto a nível do que queria fazer com a equipa como tentar atingir o "pushes boundaries" na avaliação de final do ano (sim, isto foi logicamente um tema para mim - as pessoas próximas sabem como eu vivia o trabalho de forma intensa e era bem ambiciosa nos meus objectivos)
- a minha viagem à América Latina: aquela com que tanto sonhei, de 2 meses e meio, e que já não deverá acontecer no próximo ano
- perceber que vou perder tantos outros eventos como os aniversários da família.
A quarta fase parece-me que foi aceitar e abraçar esta nova vida. Deixar-me ser cuidada e adaptar-me a novas rotinas, num novo sítio, com pessoas novas. Perceber dentro deste novo panorama, o que é que posso encaixar que é realmente importante para mim e que me vai ajudar a manter alguma sanidade mental.
Como dizia o Viktor Frankl em "O Homem em Busca de um Sentido": o homem pode perder todas as suas liberdades, menos a de decidir como vai reagir perante as situações. Sinto que os últimos anos foram de preparação para isto:
- uma pandemia que nos tirou o poder de controlo de muita coisa
- constantes mudanças na minha vida que me tornaram uma pessoa bem mais flexível e adaptada
- um bater lá no fundo que me levou a uma das coisas mais importantes e inteligentes que fiz na vida: terapia. Com isso consegui sarar feridas do passado, algumas do presente e ganhei um auto-conhecimento enorme que me deu muita auto-confiança. Ganhei também um sem número de ferramentas para lidar com a minha vida no geral. Estas fases todas de que falei aconteceram desta forma graças a isso. A partir daqui, sei que vou lidar com novos estímulos e novas reacções aos mesmos que, ou vou saber resolver com o conhecimento que tenho, ou não e vou voltar a visitar a minha amiga Psicóloga. Vai ser mais um caminho repleto de experiência e conhecimento.
Acho que posso dizer que há aqui uma quinta fase: decidir como vou partilhar tudo isto. Quem vai saber? Quando e como?
Apesar de todo este rebuliço de pensamentos, emoções e sensações, considero que até estou a lidar bem com a situação, tanto que até me perguntaram se já tinha caído na realidade. E, ou caí e só contei quando já me sentia bem para o fazer, ou não caí. Há uma coisa que ainda não senti: necessidade de ter feito algo diferente na minha vida. Ou considero que fiz tudo bem e como devia ou realmente não acredito que isto vai correr mal. E isso também pode justificar porque me sinto tão bem emocionalmente. A verdade é que a energia que se sente aqui é boa, por agora. Os médicos, enfermeiros e auxiliares têm sido amorosos. A D. Luísa, minha companheira de quarto, também é uma paz de alma. Veterana nestas bandas e que me vai elucidando sobre o que esperar e a parte prática da coisa:
- irá haver momentos em que não vou querer fazer nada
- esta minha energia toda provavelmente vai baixar e muito em algumas fases
- não vou querer andar sempre com os colares todos nem de soutien 🙂 ahahah esta é a melhor. Mas decidi que o vou fazer até conseguir/ser possível
- não vou ter vontade de pôr cremes e essas coisas e nem mesmo capacidade física. Também decidi que vou fazendo tanto quanto possível.
Estas rotinas de auto-cuidado são importantes do ponto de vista psicológico. Trazem disciplina, dinamismo e objectivos diários para que, mesmo com os tratamentos e suas consequências, eu mantenha alguma actividade e constância em alguma coisa.
Penso que por agora é tudo. Vou tomar banho e tratar de vidas que elas não se tratam sozinhas 🙂
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