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📝 Quarta-feira, 19 de Outubro de 2022 - Intern. dia 13, Quimio dia 8

Pequena introdução às próximas publicações:

    Parei de escrever durante cerca de 10 dias. Sei bem porquê e vocês vão descobrir nesta e nas próximas publicações. Após estes 10 dias, a coisa melhorou e tentei escrever sobre eles e é graças a esse esforço que hoje tenho registos mais pormenorizados desta fase. Confesso que é um período que me custa revisitar por tudo o que vão ler. Mas é por isso que se torna importante falar sobre ele, para que todos tenhamos a noção do que é na verdade ter cancro e passar por protocolos de quimioterapia, como este. Partilho coisas bastante íntimas e que nunca pensei contar a um público tão extenso. Mas trago em mim a missão de informar três públicos distintos e isso é mais importante:
- quem me lê e não teve de passar por isto, como protagonista ou como cuidador
- os profissionais de saúde para que vejam reforçado o papel determinante que desempenham
- e os meus companheiros de guerra que quero que saibam que não estão sozinhos nestas pequenas e enormes batalhas do dia-a-dia que têm um poder enorme e destrutivo sobre nós. A eles quero demonstrar toda a minha compaixão e solidariedade por toda e qualquer perda, temporária ou não, que os fez sentir angústia, medo, solidão, desesperança, raiva, impotência, saudade, tristeza, ou o que quer que tenham sentido. Não tenho nem tive nenhuma fórmula mágica para passar por este período de sorriso na cara. O melhor conselho que posso dar é que tentem procurar a vossa luz interior porque ela está convosco, embora por vezes algo diminuída/escondida e difícil de encontrar. Mas ela é a nossa fé, é ela que nos vai dar as vitórias nestes dias mais negros e no fim dizer connosco "consegui passar por isto". Os sorrisos foram sendo possíveis, ainda que por segundos apenas, e muito graças a todos os anjos que me rodearam e que não desistiram de mos tentar arrancar.

📝 Hoje foi o último dia de quimio. E, ainda que isso significasse o fim de uma etapa e, por isso, um motivo de celebração, também significava que o pior estava para vir. Neste dia, o meu pai despediu-se de mim com um "Nana bem, mnhã mnhã" e claro que nos desfizemos em lágrimas. Ninguém fora da família iria entender isto na sua plenitude, mas é um dito de despedida que já tínhamos com os meus avós paternos. Nesta noite, para além das diarreias e temperatura mais elevada, tive coágulos de sangue nas gengivas que acho que não se formaram com uma lavagem mais bruta dos dentes. Parece-me mais ser o início dos problemas na boca de que já me falaram. O cateter e toda a zona envolvente, claro, estava a doer-me imenso. Estava a preparar-me para dormir e eis que apareceu um médico... sem que eu o tivesse chamado. Fez perguntas, tocou na zona do cateter, avaliou algumas coisas e disse "É para retirar". Sim, desta forma seca e calma. Claramente não estávamos em sintonia porque foi nesse momento que comecei a viver o maior pesadelo de sempre. Sim, foi assim tão dramático. Eu não conseguia sequer imaginar como ia levar a anestesia local. Estava desesperada, a chorar baba e ranho e aos berros quando todo o piso estaria a dormir ou a preparar-se para o fazer. Tinha duas enfermeiras comigo, a tentar acalmar-me e a explicar que com as defesas assim tão baixas não podia arriscar ficar com um foco de infecção no corpo. Confessaram no dia seguinte que só faltou terem-me dito que podia morrer. Fiz de tudo para evitar passar por aquilo: pedi anestesia geral e pedi que esperássemos pelo resultado das análises ao cateter para perceber se havia infecção ou não. Dei por mim a dizer em voz alta, pela primeira vez, "Eu não queria estar a passar por nada isto.". Mas não consegui convencer ninguém, não havia alternativa. Tinha de ser. Convenceram-me de que o Tramal ia acalmar as dores, que a anestesia não me ia doer como estava a pensar e que retirar era mais simples do que colocar. Deram-me um ansiolítico, mas demorou imenso tempo a fazer efeito. Liguei à Rita entretanto, assustadíssima e ela acabou por me dizer o mesmo que me disseram aqui, e com o passar do tempo acabei por acalmar e relaxar. Quando voltaram ao meu quarto com o material, perguntei logo quem me ia dar a mão e a Enfermeira Adriana (nome fictício) deu-me 🙂 De facto, a anestesia não doeu assim tanto e o processo foi relativamente simples, felizmente. Santo Tramal 🙏

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