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📝 Sexta-feira, 11 de Novembro de 2022 - Intern. dia 36

    Ora bom dia 🙂 Hoje sempre dormi mais um bocadinho! Ontem decidi retomar as visitas. Já não sei quando vou sair ou não tenho expectativas sobre quando será por isso vou voltar a estar com as minhas pessoas aqui. Hoje vem a Mana e pedi-lhe que me trouxesse o café e o livro "O Segredo" que a minha prima me emprestou sobre a lei da atracção e o benefício de pensar positivo. Acho que é o que me vai ajudar mais nesta fase. E o café é para tomar amanhã com a Enfermeira Mariana (nome fictício). Já combinámos 🙂
   Poucas horas passaram e o tanto que já aconteceu. Voltei a colher sangue para análises, apesar de não estar programado. Creio que a equipa médica quer perceber se ainda haverá uma chance de eu sair entre hoje e amanhã. Fui também fazer uma ecografia à zona do primeiro cateter para ver se estava tudo bem e está 🙏 Tive, portanto, direito a mais um passeio de cadeira de rodas pelo IPO, tendo sido estacionada ao lado de um senhor, que, como eu, estava à espera de algo: eu de ser chamada para a ecografia, ele de voltar para o quarto. Como habitual, senti necessidade de falar com ele e de saber um pouco da sua história, tentando animá-lo/reconfortá-lo. Tem alguma idade e está aqui no IPO há 3 anos e meio. Não tinha muita esperança de matar o bicharoco, como dizia. Estava indignado, pois, se o Homem foi à Lua, como é que ainda não conseguiu encontrar a cura para o maldito? Ou os malditos. Ok, é uma boa questão. Ao que respondi que, hoje em dia, a ciência está mais avançada e já há mais tratamentos/curas. Disse ainda que estávamos no melhor sítio, a ser bem cuidados pelos melhores e ele partilhou da minha opinião. No meio de toda esta conversa, disse-lhe que já tinha usado um pijama de homem do IPO como o que ele trazia e mostrei-lhe uma fotografia. E nisto, ele pergunta: "Há net aqui? É que estou quase a gastar a minha toda!". Disse-lhe que sim e ele ia pedir ajuda para se conectar quando chegasse ao quarto. O Sr. José é de Penafiel e só no fim perguntei o seu nome. Pedi-lhe que fizesse um esforço para sorrir todos os dias, ainda que pudesse não ser fácil. Quando se foi embora, senti uma mistura de emoções: satisfação por ter tentado ajudar, esperança de ter conseguido, mas a sensação de que não consegui. E perguntei-me: "O que podia ter feito melhor? Como posso ajudar estas pessoas?". Ao mesmo tempo, ao falar com elas penso se realmente caí na realidade. Se todo este optimismo e capacidade de aguentar as pancadas que vou levando são verdadeiros ou um mero ignorar a realidade e viver noutro mundo. Como posso saber a resposta a isso? E mais importante... Será assim tão má estratégia se assim for? Por vezes também me questiono sobre o porquê de não ter sentido revolta e de ter aceite relativamente bem este fado. Terá sido em prol de viver melhor com ele - o típico "aceita que dói menos"? Será que sinto que mereço isto? Será que sinto que precisava disto para dar outro rumo à minha vida por não ter coragem de o fazer por decisão própria? A resposta às últimas duas perguntas sei que é "não". Este ano foi a prova disso. Eu decidi a minha vida, não por estar insatisfeita com ela, nem por não ter outra opção ou por seguir as expectativas da sociedade, como já fiz antes. E já tinha planos sobre como ia continuar a vivê-la e como ia continuar a cumprir os meus sonhos.
    Passei também pela ala pediátrica que cada vez me deixa mais sensível. Gostava de ter lido as frases nas paredes escritas pelas próprias crianças ou pelos pais, mas fica para quando sair do internamento. Durante a viagem, apesar destes acontecimentos, não consegui sentir tudo o que precisava na sua plenitude. O Sr. Pedro (nome fictício), que me acompanhava, ia falando comigo e ao ver-me chorar perguntou se eu precisava de falar com alguém e disse-lhe que só precisava de chegar ao quarto para poder escrever e sentir tudo o que estava a reprimir naquele momento. Eu sou da opinião de que devemos dar espaço a todas as emoções no seu devido tempo. E, na verdade, isto fez-me perceber que não sou tão insensível quanto estava a pensar. Estou aqui, na minha preciosa mesa (um dos grandes benefícios do quarto de isolamento), a escrever, e volta e meia olho para as fotografias no parapeito da janela e, pela primeira vez, vejo para além das minhas cadelas. Vejo-me a mim, a nós, a nossa casa e a vida que tínhamos, e só tenho vontade de chorar da profunda saudade que sinto. E este momento, que acaba por ser semelhante ao de um luto pela perda da minha vida anterior, fez-me perceber que eu gostava muito dela e que, tal como eu costumo dizer, eu não estava a fazer tudo mal, pelo contrário.
    Por um lado, fico feliz por toda esta intensidade de pensamentos e sentimentos. Estou viva. Estou conectada comigo, com o momento, e a observar-me nele. Tudo isto é positivo, apesar da dualidade que existe.
    As meninas vão hoje tomar uma banhoca, com a ajuda da Associação 🙏 Tenho muitas saudades delas. Está quase!

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