Hoje acordei pronta para enfrentar o dia, graças à minha noite de ontem em que usufruí de uma das regalias que tive no primeiro internamento e que tão bem me sabia: passear no corredor. Ainda que fosse apenas o primeiro dia e não pudesse estar farta de estar ali, foi um dia cheio e estava a partilhar quarto e, por isso, precisava de estar um bocado sozinha. Além disso, depois de uma semana em casa com tanta liberdade, apesar de já conhecer bem a realidade do internamento e de estar preparada para ela, estar limitada a quatro paredes era uma transição algo radical. Deram-me autorização para sair do quarto e lá fui eu pelo corredor até à janela, ainda com a roupa que trazia vestida de manhã - calças de ganga, camisola e lenço rosa na cabeça, um outfit pouco usual de se ver por ali, tão pouco usual que, em tom de brincadeira, me acusaram de querer fazer-me passar por visita. Hoje ia pôr o novo cateter e isso, ontem, estava a deixar-me nervosa. Então, decidi tentar fazer uma sessão de luz a mim própria. Normalmente é um anjo e meu amigo chamado Hugo que ma faz, mas ontem precisava de gerir aquela ansiedade e convertê-la em energia positiva e experimentei por uns minutos imaginar a luz a passar pelas minhas veias e a limpá-las, com especial incidência na zona do primeiro cateter que ainda estava um pouco inflamada. Não foi fácil concentrar-me nesta parte... Ou por outra, sentia as veias um bocado obstruídas e a dificultar a passagem dessa luz. Depois imaginei-me num jardim lindo, num dia de Sol, a correr e cheia de saúde. O branco das margaridas sobressaía por entre a relva verde e transmitia muita paz e serenidade. As restantes flores de cores várias faziam o meu lenço rosa parecer só mais uma flor no meio daquele tapete vivaz que fazia inveja ao mais belo arco-íris.
A dificuldade na primeira parte do exercício talvez se explique pelos resultados do mielograma de ontem. De facto, havia bastantes células imaturas/blastos (células malignas) na minha medula. Mais um desvio daquele que seria o percurso desejado. Senti quase tudo de novo... Encaminhada para um destino que não posso controlar. "Menos uma alternativa de tratamento" foi o que ouvi quando a médica disse que o primeiro tratamento não tinha resultado. E, claro está, comecei a antecipar as possíveis consequências: mais um internamento longo, mais um período longo sem ver as meninas, passar por todos aqueles efeitos secundários novamente,... Como vou dizer à minha família e aos amigos próximos? Isto não veio num modo fácil. Escusado será dizer que ninguém continha as minhas lágrimas, nem os casos com finais felizes que a minha médica me esteve a contar, nem mesmo o abraço que ela e a enfermeira que estava comigo nesse dia tão meigamente me ofereceram. Acabei por pôr a enfermeira a chorar também. Já estou como a minha prima, tem de haver alguma coisa que eu possa fazer para além de esperar que a Medicina seja bem sucedida, para além dos cuidados diários que recebo desta minha nova família, para além do amor e carinho da minha família e amigos. Talvez eu não esteja a acreditar na minha cura como devo. É incrível como, de rompante, uma série de preocupações passam a secundárias ou vão mesmo para o fim da fila quando nos deparamos com estes percalços ao longo do processo. Não consigo sequer pensar na questão da menopausa induzida em que estou ou nas manchas na pele, cuja dúvida sobre a sua reversão pairava na minha cabeça. Em relação a estes pormenores só penso: é o que tiver de ser.
Entretanto tenho a árdua tarefa de começar a contar às pessoas. Sinto que é tão difícil como o foi contar que tenho cancro.
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