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📢 📝 Quinta-feira, 1 de Dezembro de 2022 - Intern. dia 11



📢 Bom diaaa ☀️
      Mais uns dias silenciosos, mais um capítulo desta história prestes a terminar. Tenho uma vesícula sensível, assim como tudo o que admiradamente me disseram que era sensível em mim. Tiro ao alvo não é comigo por isso nunca me queiram como parceira em jogos de pontaria porque...vou sempre ao lado, ao indesejável🚫🎯 ontem foi mais um desses episódios. Quando ia finalmente tirar o dreno junto da equipa de Radiologia de Intervenção (importante ressalvar que nenhum destes profissionais é da equipa que cuida de mim a tempo inteiro) para avançar para o próximo passo, fui presenteada com as dores mais agonizantes e desesperantes que alguma vez senti. Eu que nos dias anteriores andei a recusar morfina porque preferia mexer-me pouco e aguentar as dores esporádicas que tinha para poder ter dias mais lúcidos. Dreno fora e normalmente o doente fica ok. Eu não. Eu julguei que estava no inferno de tão agonizante que estava a ser, rodeada de pessoas que não me conheciam, que parecia que não me ouviam e não me estavam a dar as drogas no imediato como eu precisava. Até que ligaram ao meu médico e perceberam que a solução não era um paracetamolzinho mas sim morfina directamente na veia. Dada a primeira dose, nada melhorou e pedi mais. Tudo o que ouvia era que controlasse a minha respiração, que tentasse mudar de posição, que a maca é que era desconfortável, que o médico não prescreveu mais. "Como?" perguntava-me eu perante tamanha dor e o desespero de não me sentir ouvida desde que entrei naquela sala! Muitas dessas afirmações não obtiveram resposta da minha parte logicamente. As energias estavam a ser reservadas para o que era realmente importante como dar-lhes a simples solução de ligarem para o meu médico a pedir autorização para me darem mais morfina. Felizmente, depois de algum tempo vieram dois anjos do meu piso, da minha família do IPO, salvar-me. Tanto a auxiliar como a enfermeira, que bem me conhecem, nunca me tinham visto naquele estado e a enfermeira apressou-se a autorizar a nova dose de morfina. A par disso elas levaram-me para o piso e só o facto de estar junto delas deu-me uma sensação de alívio imediato. Cheguei cá acima e todos se dedicaram a ajudar-me a sentir-me melhor: ansiolíticos pedidos por mim (como estou crescida) e tramal. Tinha chegado ao céu porque estava junto dos meus, daqueles que me ouvem e em quem confio a minha vida. Mas também porque nunca estive tão drunfada 🙈
    No meio de tanto sofrimento, de alguns pensamentos bem negativos e da solidão que senti, fico feliz por ter tido lucidez e nunca ter desistido de lutar pelo meu bem-estar. Entendo que essa equipa não me conhecesse e que passe a vida a fazer cirurgias e a ficar-se por aí. Mas se há coisa que torna os profissionais da saúde humanos é saberem que a sua missão é a de tratar o doente e não a doença.
    Hoje consigo sorrir. Hoje consegui fazer a minha rotina matinal completa e sozinha. Hoje vesti o fato de treino e pus batom. Hoje fui passear no corredor. Hoje reergui-me e estou bem. Continuamos a fazer greve de fome, mas vou ver se consigo meter aí uma cunha para comer uma canjinha e umas bolachas de água e sal que se me focar bem vão saber a Cannoli 🤤🤪 se não sabem o que é, estão a perder um dos melhores doces italianos 😍 desculpem se a partilha foi demasiado pormenorizada mas foi o que senti que precisava de partilhar.


📝 Revelo aqui o que me passou pela cabeça no meio daquele episódio infernal: "prefiro morrer a ter de suportar esta dor". Até que me ocorreu no segundo seguinte que aquilo havia de passar e que tinha uma vida pela frente e continuei a tentar explicar que aquilo não era normal, que não era birra minha. Olhei nos olhos de uma enfermeira e supliquei que fizesse alguma coisa porque ninguém merecia passar por aquilo. Pensei bastante antes de mencionar o nome da equipa a quem eu estava entregue. Mas também estou aqui hoje para dizer que entendo que não fosse normal uma reacção como a que o meu corpo teve e que não estivessem preparados para isso. Mas, perante todo o desespero que viram, só tinham de ter sido mais ágeis e dar o benefício da dúvida ou entrar imediatamente em contacto com o médico e fazer chegar lá alguém com poder de decisão o mais rápido possível. Antes dos meus anjos chegarem, começaram a levar-me de maca, pensava eu que para o meu piso de internamento. Mas quando reparo que nos desviamos do caminho, perguntei para onde íamos. "Recobro" disseram eles. Pedi por favor que não me deixassem sozinha. Enquanto o medo e o nervosismo se apoderaram de mim, a par das dores que persistiam, ainda passou por mim outro profissional que, num momento infeliz, disse "oh está com dores, coitadinha, já vai passar", um comentário que não trouxe nada de bom, mas que me irritou ainda mais. Não me conhecia de lado nenhum, disse aquilo sem se ter dignado a parar e sem sequer se preocupar em tentar ajudar ou perceber o que me estava a deixar assim, já para não falar do tom jocoso com que o disse.
    Infelizmente não é tudo um mar de rosas e não falo aqui do processo de tratamento ou destas intervenções e os possíveis reveses, mas da falta de tacto de algumas pessoas que só por acaso são profissionais de saúde e elas mesmas deveriam ser as primeiras a ter uma postura acima de tudo humana. Todos nós falhamos, é certo, mas perante uma falha que também a eles é permitida, só teria de haver um pedido de desculpa, no caso por terem avaliado mal a situação.

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