Ontem à noite distribuímos as primeiras mensagens, com um dia de atraso devido aos acontecimentos desta semana, mas muito rapidamente operacionalizámos a coisa e pusemos o projecto a andar. Entre eu editar as imagens com as frases, a minha irmã imprimir e trazer-mas e as duas usarmos a visita dela para as recortar ao som dos clássicos de Natal, passaram-se dois dias. Creio que os meus colegas de internamento não estavam a perceber bem a ideia, mas dei um desconto, pois foi a seguir ao jantar e provavelmente já estavam mais para lá do que para cá. Hoje fizemos de forma diferente e distribuímos as mensagens depois do almoço à procura de uma janela de maior lucidez. Duas pessoas perceberam e gostaram. Pude dizer-lhes "Olá" e falar com elas da porta. Por um lado, desanimei, pois achei que mais pessoas iam valorizar, mas por outro pensei que, mesmo que fosse só por aquelas duas, já valia a pena. Além disso, para as visitas também poderia ser agradável, pois é sempre mais um tema de conversa e pode trazer-lhes algum ânimo, pelas piadas em si e por saberem que há uma tentativa de proporcionar algum espírito natalício a quem está internado. E por último, a concretização do meu objectivo termina na minha acção, no que eu tento fazer pelos outros, na minha intenção. A forma como eles reagem é outra história que eu não controlo. Claro que se pode traduzir em felicidade adicional, mas a minha felicidade não pode depender unicamente disso.
Hoje aproveitei o tempo em que estive a recortar sozinha para pensar. Pensamentos que surgiram de forma muito natural pelo simples facto de eu estar feliz a recortar papel. Como já partilhei aqui, nunca me questionei sobre o porquê de isto me estar a acontecer, mas pergunto muito: "O que é que a vida me quis dizer?". Talvez para muitas pessoas esta pergunta não faça sentido, pois não vêem estas coisas de uma forma espiritual. Mas ver as coisas desta forma ajudou-me a aceitar algo que a Medicina não me conseguiu justificar: o meu cancro. Apesar de ter uma vida que para muitos seria de sonho, para outros nem tanto, mas que me satisfazia bastante, sempre houve em mim uma questão muito inquietante: estarei eu a cumprir a minha missão de vida? E, para responder a isso, tentei encontrar significado no que fazia, principalmente a nível profissional. Sendo que eu era supervisora de uma equipa, achava que podia impactar positivamente a vida das pessoas que a formavam, tentando ajudá-las no seu crescimento e realização profissional e pessoal. Ter adoptado duas cadelas também me convenceu de que estaria a dar algo mais a este mundo. Mas, como sempre tive consciência, se o objectivo era ter um jarro cheio de sumo, continuar a espremer laranjas das quais só restava a casca não me ia fazer chegar lá. No entanto, por mais que fosse dando voltas à cabeça, nunca obtive uma resposta, um caminho claro. E foi então que, naquele momento, me questionei sobre o porquê de estar feliz a recortar papel. Uma actividade nada estimulante a nível intelectual ou cognitivo. E percebi que não era pela actividade em si, mas pelo significado que tinha. Com tanta introspecção, as ideias do que mais me poderia dar esse grau de satisfação foram surgindo:
- Agregar conselhos e actividades que ajudaram pessoas a passar por isto melhor. Tenho as minhas, as da minha prima e as de outra pessoa. Depois posso tentar chegar a mais pessoas para recolher as suas sugestões e no fim arranjar uma forma de divulgar
- Perceber que associações existem para acompanhamento e reintegração da pessoa com doença oncológica e fazer parte de uma
- Perceber se quero partilhar a minha história, com quem, quanto e como
- Fazer uma lista de receitas com todas as restrições que tenho e dicas sobre a parte logística.
Talvez a vida só tenha querido aproximar-me da minha verdadeira missão e, com a certeza de que o final deste capítulo da minha vida será feliz, talvez aquilo que eu considerava ser um desvio seja, afinal, o caminho certo.
Comentários
Enviar um comentário