O início desta minha estadia em casa está a ser muito bom. Mas tem havido também necessidade de nos alinharmos todos um bocado. Tocando aqui num tema sensível, nem sempre estamos dispostos a ouvir tudo o que as pessoas querem dizer ou perguntar. E, mesmo vindo de um lugar de boa intenção, preocupação e amor, por vezes a nossa reacção mais imediata é de repulsa ou irritação, porque preferíamos não ter sido abordados daquela forma. Pessoalmente, o que me deixa mais irritada é um constante "Estás bem?" (várias vezes ao dia), até mesmo em situações em que eu considero fácil ler que estou bem (por exemplo, se estiver a dançar e a cantar). E porque é que isso me afecta dessa forma? Porque, mais uma vez falando apenas do meu caso, a última coisa que quero é sentir-me doente. Quero, dentro dos possíveis e nos momentos em que consigo, resgatar um pouco da Joana que sempre fui. Uma vez mais, eu sou a Joana que, por sinal, está a tratar uma Leucemia. Eu não sou a Leucemia. E mesmo sabendo que não é intenção das pessoas fazer-me sentir isso, a minha reacção mais primitiva é sentí-lo. E por isso tive necessidade de pedir que não me perguntassem isso tão frequentemente e que tentassem ler-me, assim como confiar que, se eu não estiver bem, vou dizer. Também não menos importante ou menos polémico, as minhas capacidades físicas, tanto em internamento como em casa, vão oscilando de uma forma algo turbulenta. Naturalmente, as pessoas não sabem como eu acordo a cada dia. Mas, podendo ser eu a fazer o que preciso, dou-me prioridade. Isso muitas vezes choca com a necessidade que quem está à nossa volta sente de fazer algo por nós, por mais insignificante que possa parecer, também para ajudar a apaziguar a sensação de impotência que indubitavelmente todos sentimos perante um diagnóstico destes. Mas, reforço, todos sentimos. E, reforço de novo, no meu caso, é importante ser autónoma e independente, como sempre fui, e isso leva-me a ser egoísta e tirar essa possibilidade às pessoas nos dias em que me sinto bem.
(📝 Segunda-feira, 19 de Junho de 2023)
O que tenho aprendido é que entendo a exigência de quem está no meu lugar face ao que as pessoas dizem ou fazem, pois há dias em que as palavras e acções dos outros ganham um peso difícil de suportar, em cima de todo o que já carregamos connosco. Mas empatizo muito com quem nos rodeia (familiares e amigos) e que faz o que sabe, sem más intenções (sublinho esta parte), pois, na verdade, eu também estou a aprender o que é estar sentada neste lugar do navio, cujo bilhete nunca quis comprar. Por outro lado, hoje ainda cobro (e provavelmente continuarei a cobrar) uma postura mais acertada a profissionais de saúde, não de um modo geral e sem dúvida não a maioria, pela minha experiência. Já tive os meus episódios e não serei a única. Mais recentemente uma pessoa decidiu criar suspense em relação ao meu processo, como se esta fase da minha vida não tivesse suspense suficiente. Não foi a primeira a fazê-lo, e, talvez estando a romantizar demasiado a coisa, esperava que fôssemos todos uma equipa, e que uma vitória minha fosse também (minimamente) celebrada por eles, sem ser arrancada a saca-rolhas. Honestamente, espero um dia escrever que fui injusta. Estamos todos no caminho da aprendizagem. Esse, é eterno. Mas a aprendizagem anda de mãos dadas com a humildade, disponibilidade e vontade própria e receio que um coração mais desatento deixe as últimas três amigas para trás.
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