📝 Hoje foi um dia difícil, para não dizer horrível. Se devo estar agradecida por acordar? Devo. Por conseguir caminhar pelo meu próprio pé? Também. E por tantas outras coisas? Claro que sim. Mas, ainda assim, foi um dia horrível. Um dia que vai ficar marcado na minha história para sempre. O dia em que eu voltei a meter a minha vida em caixas, mas desta vez sem ter um sítio para as reabrir e pôr as minhas coisas. Desta vez, estão em caixas, fechadas por um ano. Foi a expectativa que achei seguro criar para voltar à minha linda casa. Linda sem dúvida, mas sobretudo minha. É a primeira vez desde os meus 24 que me vejo sem ela, sem aquele espaço que sempre valorizei acima de muita coisa. Estou consciente de todos os pontos positivos da decisão que tomei. Têm um valor imenso. Mas digam isso ao coração de uma miúda de 31 anos que a 7 de Outubro de 2022 planeava acabar de pôr a casa em condições, ter um bocado de estabilidade e usufruir dos resultados da constante inconstância que viveu nesse ano. Sabermos que não somos tão saudáveis quanto julgávamos dói. Mas, levar com as consequências disso, dói ainda mais. Dói não estarmos presentes nas datas especiais. Dói não nos conseguirmos levantar sozinhos. Dói precisarmos de ajuda para tomar o que noutra vida era um simples banho. Dói todo e qualquer cateter periférico ou venoso central que temos de colocar. Dói perder o cabelo. Dói pensar que só dentro de um ano volto lá a casa. Dói levar comigo apenas algumas roupas e alguns pertences porque a vida que tenho agora não exige mais do que isso. Não, não é por ter cancro que tudo isto perde importância. Eu gostava da minha vida, quem não chora por não a ter? Quem não chora por oficializar que tão cedo não volta à sua casa? Só quem lá no fundo não dava valor ao que tinha.
Foi um dia preenchido por lágrimas, muita revolta e frustração, em que as respostas tortas foram mais do que muitas, admito. E por isso pedi que me deixassem sozinha, pois ninguém tem de levar com o meu mau humor. Era neste preciso momento que precisava da minha casa, onde não teria de me cruzar com ninguém nem descarregar em quem só me quer bem e apoiar-me. Mas há alturas em que não há apoio possível e nada que vá melhorar a situação, em que apenas temos de deixar as emoções fazerem a tempestade que tem de ser feita e esperar que passe, tentando não causar danos a quem esteja por perto.
(19/01/2024)
Não, não me enganei no ano, é mesmo uma entrada do diário de 2023. Há um ano, achava eu que por esta altura já estaria a voltar a uma vida normal, só que não 🤡
Em 2022 mudei de casa e, aquando do diagnóstico, como já contei aqui, ainda estava a tentar estabilizar de um ano que foi no mínimo louco. Resolver o tema "casa", apesar de todo o incrível apoio da minha família, foi extremamente doloroso para mim.
E, por favor, vamos entender que é possível estar agradecido pelo que temos e ainda assim sentir raiva, frustração, tristeza, indignação, ..., por processos de luto como este, ou por outros acontecimentos. Também é possível ser diagnosticada com cancro e ainda assim ficar desiludida com o café que deixei arrefecer demasiado (o café é um assunto sensível para mim 🤓). Sou adepta da relativização para conseguir avançar no processo de aceitação, mas de todo não concordo com invalidar situações/emoções aparentemente mais simples. Estarmos gratos também não invalida termos alguma ambição além de apenas a sobrevivência. Tudo isto pode coexistir e, embora possa parecer confuso e difícil identificar/organizar tudo na nossa mente e coração, trata-se de trabalharmos a nossa consciência emocional e auto-conhecimento.
Pessoalmente, não me cai bem quando partilho alguma dor e me dizem que já passei por coisas piores ou que vai passar ou me falam do lado positivo. Já me aconteceu inclusive falar sobre as minhas expectativas futuras e me dizerem que eu devia era estar agradecida por estar viva.
Sei que não é fácil encontrar as palavras certas para dizer, mas por isso podemos sempre questionar a outra pessoa sobre como espera que a ajudemos: se precisa de encorajamento, compreensão, consolo, silêncio, tempo e espaço, um abraço, algum conselho, ou que estejamos simplesmente ao lado dela a dizer mal da vida porque às vezes... também é preciso.
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